quarta-feira, 30 de abril de 2014

Doces Lembranças


Na cozinha da Carlota, cozinheira e quituteira muito conhecida das senhoras donas de casa de Serra Negra que a procuravam para as festas de aniversários, batizados e casamentos, via-se de tudo, entre panelas, formas, frigideiras; retratos dos Reis da Itália, Humberto e a Rainha Helena; folhinhas antigas, imagens de Santos, retratos de pessoas amigas da cidade e, nos cantos e de todo lado, panelas, caldeirões, assadeiras e todos os demais utensílios necessários para seus afazeres.

O forno ficava na parte de fora, no quintal, em um canto do muro, com a boca virada contra o vento. Forno de barro, pequeno, mas prestativo para todas as encomendas de sua dona.

Carlota era uma velha baiana.  Quando a conheci, estava muito doente, reumática e asmática. Até parece rima, mas não é. Quando ainda boa, com saúde, desdobrava-se no trabalho das encomendas. Eu ia sempre ajudá-la como vizinha criança ainda, mas com interesse nos bolos e pão de ló, feitos por ela. Sempre tinha um servicinho para mim. Ou na falta de açúcar, ou leite que não dava para os ingredientes correr até a venda. Mas eu, como ajudante, ganhava os tachos e as panelas para raspar e lamber. Era uma doçura a Carlota. Não eram somente seus doces que eram deliciosos. Fazia fios de ovos, manjar branco, doce de leite, rapadurinhas de amendoim para festas de aniversários. Quando acendia o forno, era para os assados: leitoa, cabrito, tortas e empadinhas. Daí vinham também as mães bentas, bolos e empadas. Carlota gostava de ouvir histórias da Tico-Tico, revista infantil que eu lia para as crianças quando iam lá em casa, pois eram vizinhos na rua José Bonifácio.

Viveu bastante, apesar das mazelas. Quando soubemos que estava doente, internada no hospital,  que ficou pouco, pois logo faleceu. Deixou saudades a velha baiana quituteira. Havia também, como boa cozinheira, a Maria Salomé e a Heliodora, que eram muito conhecidas e também bastante procuradas pelas famílias. Nhá Tudinha Brandão não saía de casa. Sua vida era fazer pães doces de ovos e outras quitandas que o Cafuringa, um mulato sarará, saia a vender nas casas. Quando chegava com o balaio e o punha no chão, tirava a toalha alva que a cobria, vinha um cheiro tão bom de pães frescos e doces, que até hoje tenho saudades, dos célebres pães doces de Nhá Tudinha Brandão.

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