quinta-feira, 17 de abril de 2014

Alegres recordações


Fatos também pitorescos da época, e, pequenos acontecimentos do dia a dia, fazem a alegria das recordações. A Mariquinha Quagelo – depois Cangnone – uma mocinha muito alegre e simpática, era nossa vizinha e, não saía de minha casa, por minha causa. Eu devia ter, naquela época, mais ou menos uns quatro anos, estava sempre no colo dela ou passeando com ela em sua casa, que ficava na rua Visconde do Rio Branco, perto da minha. A mãe dela era enérgica, brava com ela que, de vez em quando levava uns beliscões, que a deixavam com os braços roxos. Mas ela era só e gostava de crianças, por isso, fugia de casa e ia brincar comigo. Uma vez, estávamos balançando na rede e ela balançou tão forte, que caímos no chão. Foi uma gritaria só, minha mãe e eu.  Ela assustada, saiu correndo porta afora. Minha língua, até hoje, tem a marca dos dentes que a cortou, e, como saía muito sangue da minha boca, o susto foi maior que o ferimento, que não teve gravidade alguma. Mariquinha casou-se mais tarde com um moço que veio de fora, e, teve muitos filhos e filhas, que moram ainda em nossa querida Serra Negra.

Passava os dias de minha infância, dos quatro anos em diante, bem aconchegada pela família, minhas tia, vovó, que era uma avó admirável e boa para os netos, que até aquela data eram três. Eu, meu irmão Mário, o mais velho, dois anos mais e, o pequeno Maurino. Tio Genu foi para Itapecerica, ficar com o irmão mais velho, sacerdote, vigário do lugar. Lá ficou até casar-se e, voltou a residir em Serra Negra. Éramos vizinhos do senhor Zacarias Quaglio, e da dona Margarida, sua mulher, e dos três filhos, duas meninas do meu tamanho, mais ou menos, a Laura era a mais velha e a Olívia; e um menino.

Os quintais eram cercados por trepadeiras de chuchuzeiros e, nós disputávamos os primeiros frutos logo de manhã cedo. Papai tinha uma horta que era uma beleza, em qualidade e em quantidade: alfaces, chicórias, tomateiros, cenouras e muito repolho. Sei que ele distribuía para os vizinhos e amigos, como o senhor Vicente Lombardi e dona Irma, sua mulher, comadre de meus pais, que batizaram a Querubina. Ele estava doente, parece-me com câncer na boca, pois não podia falar. Passava pelas ruas em direção ao jornal de seu filho, o Adolfo que morou com meu pai e minha mãe,  quando professores no bairro da Serra de Cima. Ali, ele aprendeu as primeiras letras, junto com meu tio Genu, que ficou órfão aos sete anos de idade. 
Eu gostava da casa que tínhamos. Também como vizinhos, de um lado a venda do português senhor Manoel e, na esquina, o senhor José Brusquini e família, todas as filhas ainda bem mocinhas e estudantes. Conheci Arminda quando tomava conta da Iolanda, e, o Américo, ainda moço, com sua irmã Kulia, que era a mais velha, professora. Na frente de casa era a Prefeitura Municipal e o Grupo Escolar, onde agora é a atual Prefeitura. Dali eu apreciava a entrada dos alunos no grupo onde meu irmão Mario, que já tinha sete anos, frequentava. Seus colegas, filhos do senhor Francisco P. da Cunha, dos Vergal e muitos outros meninos daquele tempo, de 1910. Nesse ano, viajamos para São Paulo e Itapecerica, para visitar o meu tio, Padre Tancredo. Gostei de lá. Um lugarejo muito alegre, bem menor que Serra Negra, onde as moças usavam chales para saírem de casa, devido ao frio constante e a garoa. O clima era muito diferente de nossa cidade. Havia muitos casos de tuberculose e, havia famílias que tinham perdido até dois ou três parentes, vitimados por essa doença que, na época, não tinha recursos da medicina. Eu, como era criança, apreciava o viveiro de pássaros no quintal, o macaco que era um diabinho de imitador e fazia tudo que se mandava. O quati, outro bicho que fui conhecer em Itapecerica. O gramofone, que tocava as músicas da Casa Edson, quando meu tio resolvia ouvir suas músicas, choros e valsas do flautista Pixoxo. Era muito divertido. Nas festas que assistíamos lá, na Igreja de Nossa  Senhora dos Prazeres, frequentada por gente muito devota e fervorosa, muito simples mesmo. Tirou-se um retrato da família com todos os tios, minha avó e também o sacristão, seu Evaristo. Não sei onde foi parar esse retrato...

Para se ir a Itapecerica, tínhamos que tomar um trolinho ou carro, tilbury, naquele tempo haviam muitos, em Santo Amaro. Passamos por Embu, ou M’Boy em tupi guarani e, visitamos a igreja, que ainda lá existe, com suas imagens antigas, que davam medo em nós crianças. Com seus rostos muito graves, sisudos e muito coloridos. Eu me assustei com o Senhor dos Passos, uma imagem enorme com a cruz nas costas, quando, de repente, ao olhar embaixo de uma escada ou debaixo da mesma, me deparei com ela, dei um grito de susto.

Quando passamos em São Paulo, a antiga catedral era escura e, do lado de fora, amontoavam-se pedras para começar a cripta, isso deve ter sido em 1910. Anos depois, em 1926,  visitei a cripta já pronta, a Catedral ainda estava no começo.

As viagens eram por estrada de ferro. Da Mogiana, passava-se para a Paulista, em Campinas. Fomos também a Monte Alto, em 1911. O gostoso da viagem era o nosso menu mais variado. Mamãe e vovó, aprontavam um belo virado de frango, cuscuz e, um doce de leite. Comprava-se frutas, peras, maçãs, para comermos no trem. Mas eu não deixava de pedir uns cestinhos de taquara* cheios de jabuticaba, o uns saquinhos de balas, com papéis coloridos e frisados.

*taquara - bambu

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