quarta-feira, 30 de abril de 2014

Doces Lembranças


Na cozinha da Carlota, cozinheira e quituteira muito conhecida das senhoras donas de casa de Serra Negra que a procuravam para as festas de aniversários, batizados e casamentos, via-se de tudo, entre panelas, formas, frigideiras; retratos dos Reis da Itália, Humberto e a Rainha Helena; folhinhas antigas, imagens de Santos, retratos de pessoas amigas da cidade e, nos cantos e de todo lado, panelas, caldeirões, assadeiras e todos os demais utensílios necessários para seus afazeres.

O forno ficava na parte de fora, no quintal, em um canto do muro, com a boca virada contra o vento. Forno de barro, pequeno, mas prestativo para todas as encomendas de sua dona.

Carlota era uma velha baiana.  Quando a conheci, estava muito doente, reumática e asmática. Até parece rima, mas não é. Quando ainda boa, com saúde, desdobrava-se no trabalho das encomendas. Eu ia sempre ajudá-la como vizinha criança ainda, mas com interesse nos bolos e pão de ló, feitos por ela. Sempre tinha um servicinho para mim. Ou na falta de açúcar, ou leite que não dava para os ingredientes correr até a venda. Mas eu, como ajudante, ganhava os tachos e as panelas para raspar e lamber. Era uma doçura a Carlota. Não eram somente seus doces que eram deliciosos. Fazia fios de ovos, manjar branco, doce de leite, rapadurinhas de amendoim para festas de aniversários. Quando acendia o forno, era para os assados: leitoa, cabrito, tortas e empadinhas. Daí vinham também as mães bentas, bolos e empadas. Carlota gostava de ouvir histórias da Tico-Tico, revista infantil que eu lia para as crianças quando iam lá em casa, pois eram vizinhos na rua José Bonifácio.

Viveu bastante, apesar das mazelas. Quando soubemos que estava doente, internada no hospital,  que ficou pouco, pois logo faleceu. Deixou saudades a velha baiana quituteira. Havia também, como boa cozinheira, a Maria Salomé e a Heliodora, que eram muito conhecidas e também bastante procuradas pelas famílias. Nhá Tudinha Brandão não saía de casa. Sua vida era fazer pães doces de ovos e outras quitandas que o Cafuringa, um mulato sarará, saia a vender nas casas. Quando chegava com o balaio e o punha no chão, tirava a toalha alva que a cobria, vinha um cheiro tão bom de pães frescos e doces, que até hoje tenho saudades, dos célebres pães doces de Nhá Tudinha Brandão.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

A Lenda da Casa de Pedra

Cena do Filme – 12 anos de escravidão

Era o tempo da escravidão, e, os senhores de escravos andavam a cata dos negros foragidos. Eram eles escravos tratados como animais. Dormiam em enxergas*, sem cobertas. No inverno, só ceroula de canga e uma camisa de algodão e, como coberta, uma bata para cobrir o corpo. Acendiam um fogo no meio da sensala e, assim, se aqueciam, nas madrugadas de intensa geada. Sua comida era um angu com caldo de bacalhau ou sangue cozido, temperados com bastante pimenta. Ai daquele ou daquela escrava que tirasse um pedaço de carne dos panelões do fogão da casa grande, feitos pelas suas próprias mãos e temperados pela mãe preta mais antiga da casa. As meninas negras tinham que tomar conta dos patrõezinhos, das crianças, o dia inteiro. Faziam as crianças dormirem e ficavam à beira de suas camas para afugentar as moscas. Depois de casadas, quando tinham os filhos, davam de mamar para os recém nascidos dos patrões.

Na estrada que vai de Serra Negra para Lindóia havia uma casa feita de pedras, uma casa pequena, só com uma porta, sem janelas. O pasto rodeava essa casa, com algumas árvores por perto, nada mais havia ali. Mais abaixo, um córrego corria com suas águas para o Bairro das Três Barras, cujo nome vem de três rios pequenos que separam os sítios de moradores antigos do lugar. Ali, naquela casa, os senhores de escravos prendiam os fugitivos até que seu dono viesse procurar e pagar o sustento do prisioneiro. Aconteceu uma ocasião, que uma escrava ainda moça, fugitiva para não se entregar ao feitor, ficou pendurada pelos pulsos sem roupa alguma a cobrir sua nudez. Já tinham aplicado o castigo de deixar sem comer e beber por dois dias e, ainda umas chicotadas nas suas costas, que ficaram lanhadas de alto a baixo. Mas, como o dono não apareceu ela ficou ali abandonada, não resistiu e morreu dias depois. Quando a foram procurar, estava morta, toda comida pelos ratos e coberta de formigas. Dizia minha avó, que quem passasse pela estrada altas horas da noite, ouvia os gritos e gemidos dos escravos torturados.

Vovó também teve, em casa dela, escravas que se casavam e iam morar em outras partes dos sítios, mas já eram alforriados. Traziam, depois, seus filhos para ela batizar. Eu mesma conheci, quando menina de meus cinco anos, o Juca, afilhado de minha avó Marica. Tinha também a Luzia, uma ex-escrava da casa e também ficou muito tempo trabalhando para diversas famílias. Morreu com mais de 80 anos. Essa contava muita malfeitoria que assistiu quando mocinha. Mamãe presenciou, com dez anos, a festa da Bendita lei da Abolição da Escravatura que teve na cidade, no dia 13 de maio de 1888, e contava, que até acompanhou a banda de música da rua. Hoje, ainda há escravos que são os operários assalariados com baixo nível de vida. Mas esta é a tônica da vida, desde que o mundo é mundo, e que, nem mesmo Jesus vindo a terra conseguiu consertar. Seremos nós por acaso...

*enxerga - cochão rústico, geralmente recheado de palha. cama simples, pobre.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Ar de cidade pacata!


O que me faz recordar sempre a minha querida cidade Serrana é o seu ar de cidade pacata, quieta, sem ruído de carros a perturbar. Trânsito dos pedestres e das crianças, que percorriam sem susto as ruas. De vez em quando, um carro passava chamando a atenção das pessoas, que admiravam o seu rápido percurso de um lado para outro da cidade.
Esses carros eram poucos, um ou dois, que, com buzinas, alertavam os passantes. Um Ford, do senhor João Filipe e, o Studebaker, do Presidente da Câmara, o senhor José Fernandes de Carvalho, que vez ou outra, convidava o papai para levar a família para dar umas voltas pela cidade. Era um prazer para mim e para meus irmãos, todos pequenos ainda, sair e rodar pelas ruas no carrão do senhor José Fernandes.

Os carros de bois ainda percorriam as estradas e vinham até a cidade, trazer lenhas e encomendas, cana para o Mercado Municipal e outras mercadorias. Eu e outras meninas ouvíamos ao longe o chiado (no sítio eles falam que o carro quando é dos bons, ele canta) das rodas a descer o morro da estrada de Lindóia ou das Três Barras. Vinha cantando e seu nhem-nhem-nhem deixava as crianças atentas para verem os bois, que no seu andar lento, com o boiadeiro, ou carreiro a chuchar* para alertá-los, pois no seu andar lento, atrasava o serviço do carreiro. Dava pena dos coitados dos animais.

Os troles** eram de propriedade do senhor Beraldi, Dado e, do Cristiani, que levava até Monte Alegre nas festas, para cumprir promessas, ou então, para as Termas de Lindóia, ou mesmo para a vila de Lindóia, que pertencia ao Município de Serra Negra. Eram passeios deliciosos, que nos deixou recordações para sempre, pois, aproveitávamos mais as viagens do que se fosse de carro. Havia também cavaleiros, o José Celestino Soares, o Oscar Mangeon, que as tardes, passeavam com seus lindos cavalos, trotando pelas ruas, chamando atenção.



chucar* - sugar com a boca, chupar, mamar



trole** - veículo de pequeno porte, motorizado ou movido pela força humana, que trafega sobre trilhos.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Alegres recordações


Fatos também pitorescos da época, e, pequenos acontecimentos do dia a dia, fazem a alegria das recordações. A Mariquinha Quagelo – depois Cangnone – uma mocinha muito alegre e simpática, era nossa vizinha e, não saía de minha casa, por minha causa. Eu devia ter, naquela época, mais ou menos uns quatro anos, estava sempre no colo dela ou passeando com ela em sua casa, que ficava na rua Visconde do Rio Branco, perto da minha. A mãe dela era enérgica, brava com ela que, de vez em quando levava uns beliscões, que a deixavam com os braços roxos. Mas ela era só e gostava de crianças, por isso, fugia de casa e ia brincar comigo. Uma vez, estávamos balançando na rede e ela balançou tão forte, que caímos no chão. Foi uma gritaria só, minha mãe e eu.  Ela assustada, saiu correndo porta afora. Minha língua, até hoje, tem a marca dos dentes que a cortou, e, como saía muito sangue da minha boca, o susto foi maior que o ferimento, que não teve gravidade alguma. Mariquinha casou-se mais tarde com um moço que veio de fora, e, teve muitos filhos e filhas, que moram ainda em nossa querida Serra Negra.

Passava os dias de minha infância, dos quatro anos em diante, bem aconchegada pela família, minhas tia, vovó, que era uma avó admirável e boa para os netos, que até aquela data eram três. Eu, meu irmão Mário, o mais velho, dois anos mais e, o pequeno Maurino. Tio Genu foi para Itapecerica, ficar com o irmão mais velho, sacerdote, vigário do lugar. Lá ficou até casar-se e, voltou a residir em Serra Negra. Éramos vizinhos do senhor Zacarias Quaglio, e da dona Margarida, sua mulher, e dos três filhos, duas meninas do meu tamanho, mais ou menos, a Laura era a mais velha e a Olívia; e um menino.

Os quintais eram cercados por trepadeiras de chuchuzeiros e, nós disputávamos os primeiros frutos logo de manhã cedo. Papai tinha uma horta que era uma beleza, em qualidade e em quantidade: alfaces, chicórias, tomateiros, cenouras e muito repolho. Sei que ele distribuía para os vizinhos e amigos, como o senhor Vicente Lombardi e dona Irma, sua mulher, comadre de meus pais, que batizaram a Querubina. Ele estava doente, parece-me com câncer na boca, pois não podia falar. Passava pelas ruas em direção ao jornal de seu filho, o Adolfo que morou com meu pai e minha mãe,  quando professores no bairro da Serra de Cima. Ali, ele aprendeu as primeiras letras, junto com meu tio Genu, que ficou órfão aos sete anos de idade. 
Eu gostava da casa que tínhamos. Também como vizinhos, de um lado a venda do português senhor Manoel e, na esquina, o senhor José Brusquini e família, todas as filhas ainda bem mocinhas e estudantes. Conheci Arminda quando tomava conta da Iolanda, e, o Américo, ainda moço, com sua irmã Kulia, que era a mais velha, professora. Na frente de casa era a Prefeitura Municipal e o Grupo Escolar, onde agora é a atual Prefeitura. Dali eu apreciava a entrada dos alunos no grupo onde meu irmão Mario, que já tinha sete anos, frequentava. Seus colegas, filhos do senhor Francisco P. da Cunha, dos Vergal e muitos outros meninos daquele tempo, de 1910. Nesse ano, viajamos para São Paulo e Itapecerica, para visitar o meu tio, Padre Tancredo. Gostei de lá. Um lugarejo muito alegre, bem menor que Serra Negra, onde as moças usavam chales para saírem de casa, devido ao frio constante e a garoa. O clima era muito diferente de nossa cidade. Havia muitos casos de tuberculose e, havia famílias que tinham perdido até dois ou três parentes, vitimados por essa doença que, na época, não tinha recursos da medicina. Eu, como era criança, apreciava o viveiro de pássaros no quintal, o macaco que era um diabinho de imitador e fazia tudo que se mandava. O quati, outro bicho que fui conhecer em Itapecerica. O gramofone, que tocava as músicas da Casa Edson, quando meu tio resolvia ouvir suas músicas, choros e valsas do flautista Pixoxo. Era muito divertido. Nas festas que assistíamos lá, na Igreja de Nossa  Senhora dos Prazeres, frequentada por gente muito devota e fervorosa, muito simples mesmo. Tirou-se um retrato da família com todos os tios, minha avó e também o sacristão, seu Evaristo. Não sei onde foi parar esse retrato...

Para se ir a Itapecerica, tínhamos que tomar um trolinho ou carro, tilbury, naquele tempo haviam muitos, em Santo Amaro. Passamos por Embu, ou M’Boy em tupi guarani e, visitamos a igreja, que ainda lá existe, com suas imagens antigas, que davam medo em nós crianças. Com seus rostos muito graves, sisudos e muito coloridos. Eu me assustei com o Senhor dos Passos, uma imagem enorme com a cruz nas costas, quando, de repente, ao olhar embaixo de uma escada ou debaixo da mesma, me deparei com ela, dei um grito de susto.

Quando passamos em São Paulo, a antiga catedral era escura e, do lado de fora, amontoavam-se pedras para começar a cripta, isso deve ter sido em 1910. Anos depois, em 1926,  visitei a cripta já pronta, a Catedral ainda estava no começo.

As viagens eram por estrada de ferro. Da Mogiana, passava-se para a Paulista, em Campinas. Fomos também a Monte Alto, em 1911. O gostoso da viagem era o nosso menu mais variado. Mamãe e vovó, aprontavam um belo virado de frango, cuscuz e, um doce de leite. Comprava-se frutas, peras, maçãs, para comermos no trem. Mas eu não deixava de pedir uns cestinhos de taquara* cheios de jabuticaba, o uns saquinhos de balas, com papéis coloridos e frisados.

*taquara - bambu

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Silveiras

Brasão da Cidade de Silveiras

A família do papai era toda lá do norte de São Paulo, da cidade de Silveiras, cidade classificada por Monteiro Lobato*, no livro intitulado Cidades Mortas, como uma das cidades mortas do interior do Estado de São Paulo. Mas, hoje, um século depois, está como Fenix, ressurgindo das suas próprias cinzas.
São cidades características pelo seu povo simples e trabalhador, sem entrosamento de outras raças. Vi, outro dia no jornal, a cidade de Silveiras, com suas casas, muitas que ainda conservam estilo colonial e, outras, já acompanham o estilo novo, modernas.
Sapé e Areias, lugarejos próximos a Silveiras, que papai contava as andanças dele e dos parentes por lá.

Foi um tio avô dele que fundou Silveiras, e, deu o nome à cidade que até hoje o conserva. O meu primo, *João Batista de Mello e Souza escreveu um livro sobre os Silveiras, entre muitos outros.
Minha avó Maria Carlos da Silveira, casou-se com meu avô Manoel Toledo Pires, e, teve todos os filhos lá, na pequena vila de Silveiras. Educou as filhas e, depois de viúva, criou galinhas, fez doces e pratos salgados para sobreviver, pois meu avô deixou todos os filhos muito novos. As filhas eram: Carolina, Elisa, Maria José e tia Nhazinha. Os filhos eram Manoel Carlos (papai) e Deolindo Carlos de Toledo. Não usaram o Pires do pai e nem o Silveira da mãe. Foi uma família dispersa pelas condições de vida, depois de todos eles criados. As moças formaram-se professoras e sairam lecionar em Cachoeira e em escolas particulares, como tia Elisa. Aí minha avó já pode descansar mais dos trabalhos caseiros. Tia Nhazinha morreu moça, deu muito trabalho para a família, devido a um casamento desastroso que a levou cedo, deixando um filho com dois anos. Foi tia Eliza, já casada com tio João Batista quem acabou de criá-lo. O menino formou-se mais tarde professor e, depois, trabalhou por muitos anos na Delegacia Fiscal em São Paulo.
Sebastião Toledo, filho de Nhazinha, casou-se com Lidia Guzzi, moça muito prendada e trabalhadeira, que lhe deu três filhas: Lucia, Maria Helena e Olga. As duas primeiras casadas e já avós (1984). A Olga mora com a mãe em São Paulo.

Papai veio moço para Serra Negra, depois de trabalhar em Mogi Mirim, onde perdeu um amigo quando no surto de febre amarela, que aconteceu nos fins do século passado (século XX).
Meu pai era contador e foi trabalhar com meu avô Braz, em seu armazém e loja em Serra Negra. Tinha dezenove anos quando casou-se com mamãe. Acabou tomando conta de toda a família, quando meu avô morreu no fim do século. Meu pai era um homem de grande coração. Cuidou da sogra como se fosse um filho. Nem os próprios filhos cuidaram dela, dando a assitência que ele deu. Respeitador, elogiava seus quitutes, e, se respeitavam muito. Sentiu muito quando ela morreu em 1925, com 74 anos de idade.
Pobre vó Marica, sentia muito a vida que ela levava, sempre preocupada com os filhos ausentes. O Padre Tancredo, que foi para outro Estado (Rio Grande do Sul) e nunca mais voltou. Tirou a batina e por lá ficou para sempre. Morreu com 86 anos e oito filhos já criados, entre homens e mulheres. A viúva, uma filha de salsicheiro, muito assanhada, para conquistar padre (também não culpo só a ela, pois quando um não quer...).

Outro que morreu também depois de vó Marica, foi o tio Carlos Blotta, ficando o tio Januário, que enviuvou e tornou-se a casar, tendo mais dois filhos, Saul e Claudio, também já casados e com filhos. As duas mulheres do tio Genu, a primeira Oscarlina de Castro e a segunda, Altemira, que faleceu três ou quatro anos depois dele.

A família Blotta continua em Serra Negra, onde está enterrado o meu avô, o meu pai e meu filho que faleceu aos três anos de crupe*, José Hildebrando. 


* livro: Cidades mortas – Monteiro Lobato

*João Batista de Mello e Souza nasceu em Queluz, Vale do Paraíba/SP, em 28 de maio de 1888. Muitos livros publicados, entre eles: "Menino de Queluz", "História do Rio Paraíba" e "Canções da Escola e do Lar". Morava no Rio de Janeiro. Era irmão mais velho de Júlio Cesar de Mello e Souza, o célebre escritor que adotou a alcunha literária de Malba Tahan.

 
*doença infantil que tem sintomas característicos como tosse e respiração difícil.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Fazendas e Sítios de Serra Negra


1916
Uma fazenda modelo que fui conhecer na Chave Pires.

O seu Juca Preto, José Antonio da Silveira, tinha muitas fazendas nos arredores da cidade, em Pedreira e Amparo.
Com suas filhas Alzira e Tita, fomos em um grupo formado pelas meninas colegas da escola e vizinhas de rua, a Rua José Bonifácio, onde morava dona Francisca Camargo, mãe do Sr. Juca Preto.

A casa da Fazenda era um casarão alto, com escadas na frente, salas confortáveis, tanto a de jantar, quanto a de visitas. O pomar era grande, cheio de árvores com as frutas da época: mangas, laranjas baianas enormes, bananeiras carregadas, já com bananas maduras no ponto. As jaqueiras carregadas de enormes jacas, para mim, constituíram-se em enorme surpresa. Jamais havia visto árvores tão pequenas com frutos tão grandes.

Passamos lá horas divertidas e bem aproveitadas, pois fomos conhecer a máquina de beneficiar café, o monjolo*, com suas águas correntes e borbulhantes.
Dona Sinhorinha, sempre muito gentil e carinhosa, quis conhecer uma por uma, as colegas das filhas. A mais velha de suas filhas, estudava na Escola Normal de Pirassununga. O Jovino estudava em casa, por uns tempos, com o braço na tipoia, pois havia caído de uma das árvores. Podia ter uns quinze anos naquela época.

Chupamos laranja, comemos pipoca, bebemos garapa, que foi moída na hora por um camarada a pedido de D. Sinhorinha. A avó, D. Francisca (Nhá Chica), não foi.
O Chicão, ainda bem moço, andava por lá, talvez ajudando o pai, que nesse dia havia ido para a fazenda Santa Maria, em Monte Alegre.
Voltamos à tardinha, contentes e cansadas das correrias pelos caminhos e pomares e, admirando a valentia dos fazendeiros, que com seus colonos, produziam e cooperavam para abundância dos celeiros do Brasil...

*monjolo - engenho rústico, movido a água, para pilar milho ou descascar café.

foto ilustrativa - Monjolo - Faz. Conde do Pinhal - São Carlos - SP

terça-feira, 8 de abril de 2014

A boa velhinha


Minhas lembranças são uma constante.
Sempre pensando em minha avó Marica e, com saudades o faço. Toda vez que eu me dirigia para a escola ou outro lugar qualquer, a cavalo ou de trolinho, minha avó me abençoava e desejava boa viagem, com muito cuidado e carinho por mim. Era uma pessoinha muito franzina, depois dos seus sessenta anos de idade, muito trabalhadeira e quase não dormia.

A hora que eu acordava com o ruído dela na cozinha a mexer na água e fazer o café, também me levantava e perguntava a ela: que horas são? Ela respondia: sei que o galo já cantou uma dúzia de vezes desde que me levantei... pelo céu escuro ainda, sem sol aparecendo no horizonte da serra ainda escura, eu calculava, antes de olhar no relógio: – Devem ser seis da manhã. E daí ia olhar o relógio na sala de jantar, que sempre papai dava corda antes de deitar-se e, os ponteiros acusavam, um quarto para as seis ou seis e dez.

Chegava às sete, mais ou menos, o padeiro e, também, o leiteiro Vicentini. O café já estava cheirando gostoso, mas o leite demorava mais até ferver, e, então, ficávamos conversando. Ela sempre preocupada com os filhos, que moravam longe. Um estava em Guaxupé, Minas, como chefe de estação; o outro, o Padre Tancredo, em Monte Alto e, depois, no Rio Grande do Sul, em Pelotas. Quando cresci mais e já sabia escrever cartas, sempre enviava notícias dela e de todos de casa. Eles escreviam só para mim, não sei porque e também nunca perguntava nas cartas, a razão por que não davam notícias com mais frequência. Nunca vovó Marica recebeu um presente desses dois filhos, que eu me lembrasse. Mamãe e Papai, apesar dos apertos de casa, sempre acudiram os irmãos e cunhados e, também, vovó, que Deus a tenha em bom lugar, pela paciência e pelo muito trabalho que teve em sua vida.

Com sua morte, ficou um vazio em minha casa. Isso foi em 1925. Tinha muitos amigos e, até o Pároco da cidade, o Monsenhor Manzini, achou falta da boa velhinha, que lhe enviava as palhas para o cigarro...

domingo, 6 de abril de 2014

Simplicidade


Aquela gente humilde, e mesmo pobre da minha cidade, é que mais me atraía, pois, como eles precisavam da gente, dos meus pais, nós também precisávamos deles. Era para fazer uma mudança, era para rachar uma lenha, ou para uma arrumação na casa, sempre estavam prestativos.

Meu pai gostava de rachar lenha para casa, mas não era sempre que podia fazer. O que ele gostava mesmo era de pegar os troncos grossos, que ia buscar no mato, com uma carroça que alugava, com o carroceiro e mais um ajudante, ia lenhar. Levava a comida pronta, água num garrafão, pão, linguiça o bastante e, ficavam até tarde no mato de um fazendeiro amigo, que dava a lenha para ele cortar. Madeira cheirosa, como o coração de negro, jacaré, pau d’alho e, outra madeira vermelha e dura de rachar. E, ele não cortava as toras, nós lá em casa é que ajudávamos a serrar, para depois partir ao meio com o machado. Nossa tarefa era juntar os cavacos (pedaços de lenha), levar para dentro do rancho e ajudar a serrar. Revezávamos eu, meu irmão e os primos, depois de crescidos. Tudo era um divertimento, uma brincadeira para nós.


Quem ia ajudar a recolher a lenha da rua, era, muitas vezes, o João Outeiro, ou o Zé Foguete, que nós assim o apelidamos, porque fazia um ruído esquisito com as mãos, debaixo das axilas. Muitas vezes também, a Isaura ia ajudar a limpeza da casa, fazer a arrumação do quintal e lavar a casa comigo. Ela e o filho, com meus irmãos e primos. Uns carregavam água nos baldes, outros ajudavam a puxar a mesma. Eu e ela esfregávamos o chão. Eram nove cômodos, fora o passeio em redor de casa e a escada. Ficávamos até a hora do almoço na limpeza. Depois, recolhíamos os móveis da sala, arrumávamos os quartos e, limpávamos tudo com óleo de peroba e querosene, para brilhar e cheirar gostoso.

“Cheiro de limpeza”.
Quando eu era pequena esse serviço era feito uma vez por mês, por meus tios, pais e tias que moravam em casa. Mas sempre tínhamos alguém para ajudar na esfregação do assoalho. A Sebastiana da Nhá Emília, uma serviçal da casa de mamãe, sempre tinha uma hora disponível para isso. Ela ajudava minha mãe na arrumação da cozinha e lavagem de roupas. À tarde, a casa brilhava, com tudo no lugar. Vasos de flores, tapetes, cortinas, uma beleza, não havia enceradeira, aspirador de pó e nem rodinhos para puxar a água, era tudo na força do braço!

sábado, 5 de abril de 2014

1925 um ano que marcou a família

Furrundum da Avó Marica

Mil e novecentos e vinte e cinco foi um ano cheio de intempestivos acontecimentos. Meu Tio Nenê havia falecido uns meses antes, em 1924, o que me causou muito aborrecimento e tristeza, pois eu achava que era o tio mais bacana, não desfazendo dos outros tios! Mas era o único irmão de papai e, era muito bom e alegre com a gente. No Pinhal, levava-me a passear de charrete, visitando os doentes que se encarregava de levar remédios e algum dinheiro, pois eram pobres assistidos pela federação que participava. Uma alma magnânima e caridosa.

Voltando aos anos 25, que era a minha tristeza, morreu a minha avó Marica, por quem eu tinha muita amizade e, ela era tudo para a gente de casa, não só no trabalho, pois não parava, senão para tirar umas fumaças no seu pito, ou para conversar com alguma vizinha que chegava. Costurava e, até me ensinou a fazer crivos no pano que trazia da escola para fazer em casa. Bordava também e, seu ponto bem firme e bonito. Fazia doces de cidra e dizia que era “furrundum”, um nome esquisito, mas era mineiro. Bolos de fubá, doce e salgado, que nos matava o esfomeado apetite de criança. Seus bolinhos eram uma delícia, também eram bolinhos de chuva, como ela chamava, pois fazia em dias frios e chuvosos, para tomarmos com café durante o dia. Morreu a minha querida velhinha que tanto fez a todos: curava crianças de susto, quebranto e de lombrigas com seus chazinhos caseiros e suas benzeduras em casa.  Rezando e conversando, as crianças voltavam a dormir sem sustos ou dores. Certa vez o Fernandinho, filho do Dr. Firmino, não deixava dormir ninguém em casa, por chorar a noite toda, ouviu a Letícia dizer que ia levar o menino lá para minha avó Marica, e, o menino ficou bom. O doutor disse, então, que tinha médica em nossa casa, melhor que ele, pois todos voltaram a dormir sossegados. Nesse mesmo ano, fomos a São Paulo e, até a Aparecida do Norte, cumprir promessa da mamãe e ficamos três dias fora de casa. Passei a Semana Santa em Amparo, com a família de seu Andrelino Lara, com suas filhas e filhos, o Geraldo, a Mariquita, a Guiomar e outros menores. Gostei muito deles e, sem saber que anos depois ia residir naquela cidade por dez anos.
Muita coisa se passou nesse ano de 1925, na minha querida cidade, cheia de gente amiga e ordeira. Nasceu meu sobrinho, o Carlos, filho de meu irmão Mário, casado com a Zizi Assís. Nasceu também o Saul Blotta, filho do tio Genu e da Tia Altimira, sua segunda esposa e, assim se passou o ano, com mortes e nascimentos na família.

*Furrundum ou furrundu é um doce típico da culinária caipira da região do Vale do Paraíba, no interior de São Paulo. É feito de cidra ralada ou de mamão verde ralado com rapadura derretida ou açúcar mascavo.
Fonte: Widipédia

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Meu pai - Manoel Carlos de Toledo


Passeio da família em Serra Negra

Sua vida e suas obras

Nasceu em Silveiras, Estado de São Paulo, em 22 de julho de 1874. Era o quarto filho de seis do casal Manoel Pires de Toledo e de Maria Carlos da Silveira, que foi bisneta de um dos fundadores da cidade de Silveiras.

Foi para Serra Negra, meses depois da epidemia da febre amarela, que atingiu Mogi Mirim, onde estivera para tratar de um amigo, que acabou morrendo da moléstia. Conheceu então, nessa época, meu avô Braz Federico Blotta, negociante estabelecido em Serra Negra, havia anos e, ficou com o mesmo, trabalhando como guarda livros, ou contador. Casou-se em 26 de dezembro de 1894, com Angela Blotta, filha de Braz Federico Blotta e Maria José Nascimento Blotta, ela, filha de Serra Negra. Havendo, desse casamento, sete filhos, nascidos nessa cidade. Morrendo o sogro Braz Blotta, ele foi lecionar no Bairro da Serra de Baixo, durante um período de cinco anos, sendo transferido para Lindóia em 1905, onde lecionou com a mulher Angela, na escola mista de Lindóia, por dois anos. Lecionou também com o Prof. Silvino de Oliveira, em data incerta, nas Escolas Reunidas e, com outros professores, tal como D. Ana Lacerda de Moura.

No ano de 1907, foi convidado para a Secretaria da Intendência Municipal, onde se aposentou com 35 anos de serviço público municipal, em 1929. Trabalhou, também, como contador de diversas casas de comércio e lecionou contabilidade a muitos dos rapazes da cidade, hoje*, senhores de idade. Na prefeitura, organizou a biblioteca, os arquivos de livros e documentos, a contabilidade. Era o encarregado pelo orçamento Municipal e, pela Legislação Municipal, organizando e preparando os projetos para o legislativo, como assessoria, pelos seus conhecimentos e zelo que sempre teve pelo cargo que ocupava. Sempre foi do partido político do Governo e era contra os dissidentes, que o tinham como inimigo político.

Manoel Carlos de Toledo
Católico fervoroso, na igreja, pertencia a diversas associações religiosas e de caridade, que fundou juntamente com outros paroquianos, tais como: a Associação do Pão de Santo Antônio; a de São Vicente de Paula, cuja conferência é o fundador; a do Santíssimo Sacramento, entre outras. Trabalhou também com o Dr. Francisco Tozzi, nos primeiros exames laboratoriais das águas quentes de Termas de Lindóia, que foram enviadas por ele para São Paulo, convidando, nessa época, os médicos da região de São Paulo, do Rio e de outros locais, para visitarem as Termas e tomarem conhecimento no local, das suas propriedades medicinais, como está comprovado até os dias de hoje. Isso tudo por volta de 1913. Faleceu em 1930, vitimado por um distúrbio cardiovascular, deixando viúva, minha mãe e outros filhos.

* lembrando que Vó Maura escreveu suas recordações em 1984.