segunda-feira, 28 de abril de 2014

A Lenda da Casa de Pedra

Cena do Filme – 12 anos de escravidão

Era o tempo da escravidão, e, os senhores de escravos andavam a cata dos negros foragidos. Eram eles escravos tratados como animais. Dormiam em enxergas*, sem cobertas. No inverno, só ceroula de canga e uma camisa de algodão e, como coberta, uma bata para cobrir o corpo. Acendiam um fogo no meio da sensala e, assim, se aqueciam, nas madrugadas de intensa geada. Sua comida era um angu com caldo de bacalhau ou sangue cozido, temperados com bastante pimenta. Ai daquele ou daquela escrava que tirasse um pedaço de carne dos panelões do fogão da casa grande, feitos pelas suas próprias mãos e temperados pela mãe preta mais antiga da casa. As meninas negras tinham que tomar conta dos patrõezinhos, das crianças, o dia inteiro. Faziam as crianças dormirem e ficavam à beira de suas camas para afugentar as moscas. Depois de casadas, quando tinham os filhos, davam de mamar para os recém nascidos dos patrões.

Na estrada que vai de Serra Negra para Lindóia havia uma casa feita de pedras, uma casa pequena, só com uma porta, sem janelas. O pasto rodeava essa casa, com algumas árvores por perto, nada mais havia ali. Mais abaixo, um córrego corria com suas águas para o Bairro das Três Barras, cujo nome vem de três rios pequenos que separam os sítios de moradores antigos do lugar. Ali, naquela casa, os senhores de escravos prendiam os fugitivos até que seu dono viesse procurar e pagar o sustento do prisioneiro. Aconteceu uma ocasião, que uma escrava ainda moça, fugitiva para não se entregar ao feitor, ficou pendurada pelos pulsos sem roupa alguma a cobrir sua nudez. Já tinham aplicado o castigo de deixar sem comer e beber por dois dias e, ainda umas chicotadas nas suas costas, que ficaram lanhadas de alto a baixo. Mas, como o dono não apareceu ela ficou ali abandonada, não resistiu e morreu dias depois. Quando a foram procurar, estava morta, toda comida pelos ratos e coberta de formigas. Dizia minha avó, que quem passasse pela estrada altas horas da noite, ouvia os gritos e gemidos dos escravos torturados.

Vovó também teve, em casa dela, escravas que se casavam e iam morar em outras partes dos sítios, mas já eram alforriados. Traziam, depois, seus filhos para ela batizar. Eu mesma conheci, quando menina de meus cinco anos, o Juca, afilhado de minha avó Marica. Tinha também a Luzia, uma ex-escrava da casa e também ficou muito tempo trabalhando para diversas famílias. Morreu com mais de 80 anos. Essa contava muita malfeitoria que assistiu quando mocinha. Mamãe presenciou, com dez anos, a festa da Bendita lei da Abolição da Escravatura que teve na cidade, no dia 13 de maio de 1888, e contava, que até acompanhou a banda de música da rua. Hoje, ainda há escravos que são os operários assalariados com baixo nível de vida. Mas esta é a tônica da vida, desde que o mundo é mundo, e que, nem mesmo Jesus vindo a terra conseguiu consertar. Seremos nós por acaso...

*enxerga - cochão rústico, geralmente recheado de palha. cama simples, pobre.

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