segunda-feira, 31 de março de 2014

Estrangeiros da minha terra


Foi na década de 1910 a 1920 que a minha querida Velhinha, ainda não tão velhinha, mas uma robusta senhora acarinhada por seus filhos e, também, pelos adotados, que não eram poucos, e eu, ainda uma criança, conheci muitos estrangeiros já radicados na minha querida terra.
Adotei Serra Negra como meu berço, pois vim com meus pais da querida Lindoia, com apenas dois anos. Lá, eles lecionavam na primeira escola mista. Lindoia era município de Serra Negra até poucos anos.

Dos estrangeiros da minha primeira infância, destaco três diferentes raças, pela convivência, pelos hábitos e pelas pessoas. O português Manuel do Porto, que era nosso vizinho, tinha a venda de secos e molhados em frente à Prefeitura Municipal, que foi Intendência, e, cujo intendente um deles foi o Sr. Marcolino Bueno de Godoy. Na venda do Manuel do Porto, eram dependurados nas portas, bacalhau, carne seca e, outras mercadorias. Mas o que as crianças mais apreciavam em suas artes, era ir beliscando o bacalhau e, aos pocuos, quando chegava à tarde, estava na quarta parte do pescado. Ele não se abalava com o furto, pois naquele tempo, o bacalhau era de baixo preço. Se fosse hoje, o negociante esconderia a quatro chaves, e, sairia correndo atrás das crianças.

Na segunda esquina da mesma rua, era o hotel do Sr. Manuel Vaz, casado com Dona Herculia Vichi. Ele era um senhor de muito respeito, um português muito educado, como só poderia ser um hoteleiro de gabarito. Tinha ele um filho, o Nelson, que trocava as letras quando falava depressa, o que causava risos às pessoas. Uma manhã fui na loja do Sr. Chedid e, lá estava o Nelson fazendo compras e dizia: “– Telo um taitel de linha peta pa minha mãe.” O sírio atrapalhado não entendia e perguntava: “– O que é que quer o menino?” E o Nelson já brabo repetia: “– Telo um taitel de linha peta pa minha mãe e adora.” Ficava pior a emenda do que o soneto. Eu tive que traduzir para o sírio, o tatibitate do menino.

Aconteceu também, anos depois, com minha sogra que lecionava a uma síria recém chegada e que recebia aulas de linguagem e escrita. A lição era sobre a Bandeira Brasileira. O falar difícil da Clarice, que trocava também as letras, lia muito entusiasmada o trecho: “– A binderra du Bresil é verte e marrela.” Mas logo ela estava perfeitamente dominando nosso idioma.
Outro tipo interessante era o bananeiro Antonio Citrangulo, que apregoava às suas bananas à moda italiana: “– Olhem o bananeiro, pode comer até as cascas, uma dúzia por um tostão!” Acabava vendendo todas e, dando a mais, as nanicas. A freguezia era grande e o bananeiro muito entusiasmado pelos fregueses.

Parecia ser, a nossa Querida Velhinha, muito procurada e, ser também, o reduto de estrangeiros que a procuravam e a adotavam como sua terra. Procuravam nela a paz, o trabalho e a saúde para a família.

Abençoada terra do meu afeto e da minha saudade...

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