quinta-feira, 13 de março de 2014

Era no ano de 1910


Publicado no jornal O Serrano, em 5.2.84


Bilhete à minha querida velhinha centenária, muito risonha e florida, Serra Negra
Maura Toledo Siqueira

Estava anunciada a passagem do Cometa Halley, pelos céus do Brasil, e, naturalmente os serranos estavam de sobreaviso pelos jornais. Para poder vê-lo era preciso levantar-se de madrugada, pois era rápida a sua passagem. Nós crianças, de cinco a seis anos de idade, queríamos assistir o belo espetáculo e conhecer o novo hóspede dos céus.
A minha querida velhinha, hoje centenária, era ainda uma jovem moça, bonita e muito modesta, deve recordar-se: – Havia sido inaugurado, a pouco, o jardim público, com seu repuxo, com seus peixinhos que foram dados mais tarde e a luz elétrica ainda faltava em diversas ruas.

Lembro-me dos lampiões a gás que Benedito (não o Nora) saia todas às noites a acender, e nós gostávamos de acompanhar os seus movimentos, de acender e apagar... a cidade tinha vida monótona, mas não deixava de ter suas atrações. Tinha a banda do José Pinto e as festas da igreja, que ainda não era reformada. Passeávamos pela redondeza da cidade, na caixa d’água em piqueniques familiares e também nas festas escolares. Mas voltemos ao nosso tão esperado visitante.

Os comentários eram assustadores. Diziam que ele viria, mas também e depois haveria guerra, fome, doenças e mil pragas o acompanhariam. Era a voz do povo. Chegado o dia, fomos embrulhados nos cobertores, eu e meu irmão Mário, que ainda muito sonolento não queria sair da cama. Mas papai teimou e fomos para o terraço do fundo da casa que era vizinha do Zacarias sapateiro, e da Margarida. Meu irmão tremia tanto que papai falou que não era de frio, mas de medo. Ficamos lá à espera por uma meia hora, mais ou menos, quando um clarão foi surgindo por detrás do morro do Fonseca. Eu sempre com os olhos arregalados para não perder nada do que ia aparecer no céu. Vovó, minhas tias, mamãe e papai olhavam admirados a majestade da estrela que já começava a aparecer. Quando ela surgiu de vez, acompanhada de sua cauda ou cabeleira, foi uma exclamação geral.

Jamais esquecerei do espetáculo daquela madrugada. Foi rápido o trajeto do cometa, que reaparecerá em 1985, e quem assistir sua passagem, assim como eu, verá o espetáculo mais deslumbrante da visão de uma estrela Natalina.

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