terça-feira, 6 de maio de 2014

Tremor de Terra


Lá pelos ano de 1921, a madrugada era alta, ainda muito escuro, pois olhei pela vidraça e não vi sinal de nascer o sol. Acordei naturalmente, sem ter ouvido ruído algum, que, por acaso, me acordasse. Minutos depois o relógio da Matriz bateu quatro horas. Sentada na cama, não tive vontade de continuar a dormir, o sono fugira e eu não queria deitar-me. O que será que estava para acontecer comigo? Levantei o braço para arrumar o abajur, que dava com a luz nos meus olhos, mas parei no meio, pois, ouvi um ruído diferente, que vinha do lado de fora, da rua, do céu, ou sei lá de onde vinha, não consegui distinguir, aumentava de uma forma que parecia estar em cima de casa, de todas as casas.

Se mil carroças estivessem passando numa pedreira, não faria tanto ruído assim. Comecei a tremer. Ao mesmo que esse ruído, esse tropel de mil cavalos correndo, galopando, a casa tremeu inteira, por uns quatro segundos apenas. Apenas quatro segundos e o povo já estava nas ruas, indagando uns aos outros o que poderia ser. Um abalo sísmico, um tremor de terra? Os mais entendidos, os italianos, naturalmente, já enfronhados*, já tinham conhecimento em suas terras, foram os mais apavorados. Podia repetir e, com mais violência. Ficamos alarmados e a espera angustiante, era de matar a gente. Isso ocorreu numa madrugada de 27 de fevereiro de 1921.

Não se falou noutra coisa, senão no susto e na preocupação do que podia acontecer, pois chegou a tricar paredes, tremeu vidraças, sacudiu móveis. Foi no Estado de São Paulo todo. Os jornais deram pormenores e os prognósticos. Um acomodamento de terra. Foi um bulício** por semanas e discussões com os mais entendidos no assunto. A cidade nunca teve tanto movimento nas ruas, pois, à noite, reuniam-se nas esquinas para os comentários e, talvez, também um pouco de receio de ficaram em casa. Eu digo e confesso com franqueza, passei noites em claro depois daquele dia. O tropel macabro das carroças rolando sobre pedras da ladeira abaixo. Minha impressão é que ia desmoronar em cima das casas. E vovó, muito calma dizia: dorme menina, que isso náo vai se repetir. Mas o sono não vinha e eu, na escuridão da noite, parecia ouvir de novo o ruído infernal.

* enfronhar - colocar fronha. Informar-se, instruir-se - enfronhar-se num assunto.

** bulício - agitação de muita gente , burburinho.

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